Jornalistas e assédio online

Esta página tem por base a investigação desenvolvida pelo projeto ” O Género nas Pandemias de Ódio – Media sociais, Covid-19 e as mulheres jornalistas“, que teve o apoio da FCT e foi desenvolvido entre 2021 e 2022 no ICNova, tendo como principal objetivo mapear a dimensão do assédio online e do discurso abusivo sobre profissionais do jornalismo, com um foco particular nas mulheres jornalistas.

Outras investigações semelhantes apontam para  preocupantes impactos do assédio online sobre estas e estes profissionais e para o facto da pandemia Covid19, em particular nas suas fases iniciais, ter criado oportunidades acrescidas para o discurso abusivo.

Os estudos internacionais dizem que as mulheres jornalistas são alvos particulares de discursos abusivos e de vários tipos de ataques online. Realçam também que, permeados por misoginia e desinformação e ativados pelas principais plataformas de redes sociais, estes ataques podem ser desencadeados por elementos individuais das audiências, assim como por figuras políticas e grupos organizados, ou mesmo por bots, sendo também estimulados pelo populismo e pelo extremismo. Tais atitudes podem não só ter graves consequências psicossociais sobre os seus alvos, como constituem uma tentativa de silenciamento das/os jornalistas, estendendo as suas consequências à sociedade no seu todo.

Considerando que a natureza desta ameaça raramente é institucionalmente reconhecida, nestas páginas são apresentados alguns dos resultados da investigação nacional acima referida e apresentadas formas de mitigação dos problemas em causa.

Consulte o nosso guia de prevenção e boas práticas

Pelas palavras delas*

O nível de retorno negativo é de tal forma superior ao positivo que dá vontade, por um lado, de não fazermos esforço no dia seguinte … mas depois há aqui uma coisinha que diz 'tens de ter brio, não pode ser assim'. E, por outro, de desistir e mudar de profissão, porque se eu estivesse - como já estive - a trabalhar numa loja do shopping a dobrar roupa, eu estava a receber mais neste momento de profissão e não era desprestigiante, porque eu estava a receber mais e não estava a ter montes das chatices que tenho agora. … E portanto para a minha sanidade mental era muito melhor.
Era uma página para denegrir a minha imagem e a do jornal e pegava no editorial; 'Onde é que já se viu uma jornalista que não sabe o que é um editorial, que dá a sua opinião sobre cada candidato, esquecendo que o editorial não deve ser um artigo de opinião', dizia ele. E com as fotografias do meu editorial e da capa. E eu vi aquilo assim àquela hora da madrugada no Facebook!
Como há essa capa de anonimato, as pessoas sentem-se completamente impunes para dizerem o que querem, para insultar as pessoas, para pôr em causa a nossa credibilidade profissional... eu sou contra as caixas de comentários nas notícias. Acho que não acrescentam nada. A notícia está lá. O jornalista fez o seu trabalho, cruzou as fontes. Está ali. O que é que me adianta que as pessoas vão lá comentar se acham bem ou acham mal? (…) Sim, as pessoas têm direito a ter opinião, mas (…) porque é que nós abrimos as caixas de comentários? Para que as pessoas nos destilem ódios? Ou contra as personagens da notícia…
Não estou a dizer que eu não cometo erros (...). Mas não foi igual ao fulano que se meteu com as minhas sobrancelhas, não é? O fulano que se meteu com as minhas sobrancelhas e que enxovalhou as minhas sobrancelhas de alto a baixo, que me mandou aquela... lá está, ele não podia escrever aquilo no meu mural, porque o meu mural estava fechado, e insultou-me.
As gerações mais velhas foram educadas a seguir a máxima de ‘uma senhora não ouve’. E eu respondo e sou a senhora à mesma. E acho que não tenho de ouvir e calar!
Eu acho que isso é um espelho do que se passa na nossa sociedade, (...) O facto de as mulheres serem vistas ainda dessa forma machista, dessa forma misógina e depois passa para as redes sociais e no digital, acaba por ser um espelho do que é na sociedade.
Os jornalistas ficaram um bocado deslumbrados com esta questão das redes e do aparecer. Hoje é impossível um jornalista não aparecer, acaba por ser impossível, mesmo na imprensa escrita.
Tem sempre a ver com o meu trabalho como jornalista, - eu acho que esses ataques são contra o jornalista - e depois o tipo de ataque e o vocabulário usado é que tem em conta o ser mulher. Mas em primeiro lugar está a jornalista.
Há uma hostilidade ainda maior se nós formos mulheres. Isso é muito claro, é muito, muito claro, mas isso eu já sinto isso há muitos anos.
Se eu e o meu colega (...) fizemos o mesmo, a mesma comunicação, nos mesmos moldes, é muito mais provável eu ser atacada de forma sexista porque sou mulher ou porque não percebo nada disto, porque devia era estar na cozinha.
No limite, cria pelo menos um condicionamento. A pessoa já está a dizer 'eh pá, eu fiz isto, isto correu tão mal; eu falei sobre este tema, eu recebi tantas mensagens de ódio; eu recebi tantas ameaças disto e daquilo'....
Há outros jornalistas (…), que apesar de dizer[em] determinadas coisas ou de ter[em] uma postura dúbia em termos científicos faz com que seja[m] muito mais alvo de caricatura, de gozo, do que de ódio… é uma coisa muito curiosa, que é a permissividade condescendente para com o homem: ‘ah, lá está ele a dizer os disparates’; e depois a hostilidade com as mulheres: ‘ah, é uma burra, não sabe nada, manipuladora, o que ela precisa é de um homem, é feia, é gorda,...’. Ou seja: a forma como se encara a adversidade opinativa perante um homem e perante uma mulher é totalmente diferente.
Para as mulheres acho que é a continuação do daquilo que já se passa no mundo normal, na rua, não é? Há muito mais assédio sobre as mulheres e violência física e piropos agressivos sobre as mulheres do que sobre um homem. É uma continuação daquilo que se passa na sociedade para o jornalismo e para o meio digital - achar que a violência sobre a mulher, o assédio sobre a mulher é aceitável. Porque já o fazem noutros meios também podem fazer naquele. É mais uma plataforma de fazer o mesmo.
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*Testemunhos das jornalistas entrevistadas pela equipa do projeto